1.05.2007

Os finais felizes nos constrangem

dez anos atrás quando ia ao cinema, saía sempre com a sensação de que tudo o que via nas telas era possível de ser vivido. Subia a Augusta, saindo do Espaço Unibanco (antigo e sempre reduto de amantes paulistanos do cinema) em direção a Paulista, esperando ser arrebatada por algum moço que se descobriu apaixonado por mim numa cruzada de olhares; ou que o orelhão tocasse, eu atendesse e toda a minha vida mudasse a partir daquela ação e suas consequências; ou ainda descobrir que tinha algum poder extrasensorial que me permitisse fazer coisas que até então não poderia.

A realidade e o tempo nos vão levando essas ilusões, mas trazem a tranquilidade da lucidez. É igualmente bom subir a Augusta com a “mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”, sem esperar arroubos de paixão ou grandes e decisivos acontecimentos.

Hoje fomos, eu e um amigo, assitir a um filme romântico, na Avenida Paulista, numa sessão ao meio do dia, cheia de velhinhas aposentadas – como diria esse amigo, estávamos em momento de vingança do sistema capitalista: enquanto todos trabalham, nós vamos ao cinema!

O filme Um Bom Ano, com direção de Ridley Scott e atuação de Russell Crowe, tem todos os elementos de comédia romântica: mocinhos, bandidos, amores que parecem impossíveis, um velho bonachão e simpático, boa música, linda fotografia. Mas como estamos habituados a sermos surpreendidos sempreporque as coisas simples estão fora de moda -, passamos todo o filme pensando que algo terrível ia acontecer, que algum personagem mentia, dissimulava, e o fim seria trágico.

Não foi. Deu tudo certo: fomos surpeendidos por um final feliz. Ficamos quase desconcertados, sem coragem para admitir que era um bom filme e que fazia pensar, afinal finais felizes constrangem...

não é o caso de pensar em jogar tudo para cima, e sair em busca de um grande amor e uma vida pacata no campo, mas faz refletir sobre as prioridades que nos impomos, e qual o sentido que elas têm.

Me lembrei de Antonin Artaud: “O cinema é como uma dose de morfina subcutânea”. Não precisa ser endovenoso, mas podemos sonhar com finais felizes!

2 comentários:

Anônimo disse...

Kelly,querida amei o q escreveu sobre o fato de estarmos sempre preparados para algo de ruim acontecer,ou a tristeza acabar estragando um momento mágico.É engraçada ,se não fosse triste o fato de sempre estarmos alertas para o pior,e não para o melhor.O final feliz nos surpreende sim!!!E realmente parece meio fora de moda dar tudo certo,ou no mínino não acontecer nada de catastrófico.Amiga querida precisamos a reaprender que ainda há bons finais,não só em filmes mas na vida nua e crua ,como ela é.Está na hora de reaprendermos a aceitar que podemos ser sim felizes para sempre ,enfrentando os obstáculos sem lentes de aumento,sem a dramatização de uma novela mexicana.A dor ,o sofrimento sempre existiram mas o amor e a esperança também;será que não deveríamos dosar de tudo um pouco sensatamente?Ou melhor será q temos q crescer e aprender só pela dor?Creio q não...Acredito sim em finais felizes .acredito numa compreensão maior e aberta entre as relações humanas,e uma aceitação de que a vida é feita de fases,histórias de luta,de crescimento,ganhos e perdas mas tb de esperança,de alegrias,de amores,finais felizes.PRECISAMOS APRENDER A OLHAR O RIO Q FLUI NATURALMENTE ,E QDO ENCONTRA UMA PEDRA ,SIMPLESMENTE A CONTORANA E CONTINUA SEU CAMINHO.bJO ENORME NO SEU CORAÇÃO.

Anônimo disse...

Oi Kelly,

Isso que é interatividade: navegando pelo Orkut, caí em seu perfil, que me levou ao seu blog, e daí à nota sobre "Um Bom Ano".
Se me permite a invasão..
Você se expressa muito bem, impressão reforçada pq me identifiquei demais com o 1o parágrafo, especialmente.
Essa coisa do Espaço Unibanco, achei muito engraçado! Tenho certeza que vai parecer um xaveco furadíssimo, mas a sensação é que há uns 10 anos atrás, devia pensar a mesma coisa..talvez descendo (e não subindo) a Augusta para um filme, esperando encontrar e arrebatar alguma moça numa cruzada de olhares.
Mas enfim, vieram e foram-se moças, altos e baixos, 10 anos.
Trazendo no meu caso, além da tranquilidade da lucidez que vc fala, alguns gramas de sabedoria e auto-conhecimento.

Sobre o filme (que pelo trailer concluí ruim), agora talvez até dê para encarar na locadora.

É isso, não precisa publicar o comentário, a msg era só para a autora mesmo. Ah.. se quiser fazer o caminho contrário, pode me achar no Orkut como Rafael Higuchi.
Bj!