11.30.2010

ainda sobre o cablegate


Devemos lembrar que várias guerras começaram por abertura de correspondência entre embaixadas, Estados, órgãos governamentais. só para citar duas:
- a guerra franco-prussiana que começa com a astúcia de Bismarck de publicar o telegrama de Napoleão III exigindo que a dinastia prussiana não aceitasse a oferta do trono espanhol;
- a guerra fria nos seus primeiros passos, quando os EUA revelou o telegrama de Stalin sobre a intenção de ocupar o norte do Irã na esteira da 2a Guerra Mundial, colocando um assunto, tido pelos soviéticos como "de bastidor", em discussão no Conselho de Segurança da ONU. (só lembrando que Stalin retirou dali suas tropas discretamente, ao mesmo tempo que Truman estacionou a 6a esquadra norte americana, em caráter permanente, no mediterrâneo oriental).
Conforme for lembrando de outros casos, os trarei.
Pimenta nos olhos dos outros...

O pragmatismo selvagem da política externa chinesa


A expressão pragmatismo selvagem foi dita pelo meu querido e saudoso amigo Ruy Duarte de Carvalho, aplicada ao contexto angolano. Mas, ao ler hoje as últimas revelações feitas pelo cablegate provocado pelo Wikileaks não me ocorria outra coisa em relação a China: segundo os documentos ela não só estaria pronta para abandonar a Coréia do Norte, como se colocou ao lado dos Estados Unidos, Coréia do Sul e Japão.
Não quero fazer com isso apologia do regime nacionalista e ultradireitoso de Pyongyang, mas sim remarcar que o abandono da Coreia do Norte pela China se faz na base dos interesses econômicos da última, ficando claro na afirmação "As oportunidades de negócios para as empresas chinesas, acrescentou Chun, ajudaram a eliminar as inquietações de Pequim no seu convívio com a “nova Coréia”. Os interesses comerciais da China “estão centradas nos Estados Unidos, no Japão e na Coreia do Sul – não na Coreia do Norte”.
E termina por dizer que os testes nucleares da Coreia do Norte representariam uma ameaça à segurança mundial, na mesma linha do discurso norte-americano que justifica invasões.
Segundo a agência de notícias Efe o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Hong Lei, veio a público dizer que "[O país] sempre apoia que o Norte e o Sul da Península realizem diálogos para melhorar as relações, cooperem e conversem entre si para alcançarem uma reunificação pacífica". Sem mencionar o fato de que um dos telegramas divulgados citava dois funcionários do governo chinês que afirmavam que o seu país apoiaria a unificação da Coréia em torno de Seul.
A China, no seu movimento desesperado pela hegemonia econômica mundial pratica uma política externa tão predadora quanto a dos EUA; sapateia sobre suas relações regionais; mas mantém, "para inglês ver", o discurso "anti-ocidental" - isso para não falar de suas relações com África e Oriente Médio. Até quando?

11.22.2010

Com toda essa repercussão sobre a Cimeira de Lisboa da NATO, e a consequente reflexão sobre o papel de Portugal numa aventura militar – para não dizer atoleiro militar – como essa, é que surge a hipótese de quererem chamar à cena os protagonistas do imperialismo que terminou com as descolonizações das décadas de 1950/60/70 do século XX.

A prova mais contundente disso é a declaração, em 2008, da então vice-comandante da AFRICOM para questões civis-militares, Mary Carlin Yates, quando da sua visita a Lisboa para reuniões com alto-escalão da hierarquia militar:

«é muito importante que ouçamos e aprendamos com os nossos parceiros europeus, especialmente uma nação como Portugal com uma história naquele continente que penso terá muitas lições a ensinar-nos».

Sobre quais lições falará Mary Yates? A de como se atolar em uma guerra longe de casa – como a guerra colonial em África, que custou a cabeça da moribunda ditadura salazarista – os EUA já a conhece muito bem.

Não é preciso pensar muito para concluir que um dos grandes motivos para a abertura de mais essa frente é a velha busca por energia. Sendo os EUA o maior consumidor mundial de petróleo em proporção em relação à população: consomem cerca de 21% do total da produção para uma população que perfaz 5%.; e atualmente importam 57% do que consomem. Uma vez que a peninsula arábica tem mostrado algum declínio em sua produção de petróleo nos últimos anos, faz-se urgente diversificar as fontes e uma tentadora possibilidade, já provada pela China, está na África Ocidental.

Daí passemos a atuação do AFRICOM: há na organização um braço importante, a AMLEP, African Maritime Law Enforcement Partnership, cujo objetivo formal é « auxiliar nossos parceiros africanos a desenvolver capacidade de segurança» marítima. O discurso do Comandante do AFRICOM, General William «Kip» Ward, chama à cena àquele feito pelo presidente Barack Obama quando da sua visita ao Ghana, em julho de 2009, ocasião em que especificou as cinco áreas priorotários que os EUA poderiam contribuir para a construção « do futuro na África»: democracia; conjuntura favorável; saúde; pacífica resolução de conflitos e enfrentamento dos desafios internacionais.

Sinceramente, não consigo ver coerência entre os cinco pontos citados, a mim parece que há a ambiguidade norte-americana entre o discurso pela paz e os meios bélicos para estabelece-la...

No entanto, a AMLEP foi criada tendo em vista o combate ao terrorismo nos mares – que como é sabido pelo senso comum concentra-se primordialmente no chamado Chifre da África, mais exatamente entre o Mar Vermelho e o Golfo de Aden... ali em frente à Península Arábica...

É igualmente menccionada a questão do combate ao tráfico de drogas, que poderia ser levado a cabo em qualquer oceano do globo terrestre. Para além dos argumentos, constata-se que os dois acordos da AMLEP foram assinados com Cabo-Verde e Serra Leoa tendo em vista, pasmem, o combate à pesca ilegal - mas, o que se vê na cartografia é que há uma descida em direção ao Golfo da Guiné, onde sabidamente há petróleo (e que valeu uma visita da secretaria de Estado norte-americana, Hillary Clinton, ao até então pouco comentado arquipélago de São Tomé e Príncipe, após o anúncio das descobertas de petróleo nas Ilhas). E, como diria uma grande amiga, petróleo não conhece fronteira...

Vou encerrar esse post chamando atenção para o fato de que o comandante do AFRICOM, Ward, esteve à frente as Operações Especiais da NATO durante a Guerra da Bósnia, aquela em que bombardearam Sarajevo... começamos e terminamos com a NATO, seus interesses e desmandos. Será somente uma teoria da conspiração?

Voltarei ainda a falar, provavelmente muito, sobre o AFRICOM, minha mais nova obsessão.

11.17.2010

Saldo do feriado


Com dona Sofiinha se recuperando de uma sinusite e um inverno cruel fora de época, tivemos que reinventar o tempo.
Saquei da manga coisas tão prosaicas como fazer bolinhos de chuva e montar instalações de arte com caixas de papelão e recortes de revista.
Mas, quando a petite ia dormir - ela dorme cedo, por volta de 20h00 - eu me deliciei colocando dois anos de atraso filmográfico em dia. Três filmes, por ordem do que "mais gostei":
O segredo dos teus olhos: desta vez Campanella não me fez chorar, como em O Filho da Noiva, mas está me fazendo pensar até agora sobre os limites que podem atingir a dor. Darin firmou-se no meu pequeno panteão de atores amados. O drama central, que entrelaça a vida de um burocrata da polícia aposentado e um funcionário de banco mediano pode parecer insólito, ainda mais quando dizemos que o que os uniu foi o estupro seguido de morte da esposa do bancário. O roteiro é comum, dito isto parece-se com qualquer seriado norte-americano. O que recheia o filme é a abordagem dos dramas humanos, as dores das perdas, das coisas não feitas, do alcance da justiça. Coisas banais sobre as quais pensamos, em uma ou outra, em maior ou menor grau, quase todos os dias. Para mim, é nisso que consiste a beleza do bom cinema: tratar como incrível coisas já tidas como corriqueiras, e nos por outra vez a pensar sobre elas.
Soul Kitchen, do Fath Akin, o mesmo diretor de "De l'autre coté" (não sei como foi traduzido para o português) filme dramático com enredo enrolado mas final surpreendente, daqueles que depois de muitas reviravoltas você acaba por entender tudo, ou quase tudo, na última cena. Fatih Akin é de origem turca, e em De l'autre coté ele explora a questão da migração para a Europa ocidental.
Em Soul Kitchen vi outra vez essa mesma forma de contar a história, a imprevisibilidade da cena posterior, só que desta vez em forma de tragicomédia. E foi retomada, ainda que de forma um pouco mais marginal, o modus vivendi dos migrantes na Alemanha. Não sei bem o porquê, mas esse filme lembrou-me muito o Jackie Brown, do Tarantino, talvez fosse a trilha sonora, as embrulhadas com dinheiro.
Por último, A Ilha do Medo. Não vou fazer comentários sobre a atuação de DiCaprio, que nem achei assim tão ruim nesse filme. Mas, com aquela produção e a direção do Scorsese uma atuação razoável é o suficiente, né? O enredo é interessante, embora ache que foi pouco explorada as paranóias que o início da guerra fria causou nos Estados Unidos e os vários casos de insanidade daí decorrentes... como o pouquíssimo comentado suicídio do secretário de Estado da Marinha do presidente Truman, James Forrestal, que via a chegada dos russos através da janela do hospital.
Mas bom, não sou favorável a crítica sobre o que poderia ter sido feito. O que foi feito está bem, é divertido, passa o tempo, mas não faz pensar.

11.12.2010

Retomada


sem muitas explicações: Sofia tem já quase 3 anos; o meu doutorado está em fase de tradução; a bolsa acabou e eu estou precariamente empregada.
Vou me apegar outra vez ao blog... e comparar se depois de tanto tempo tornei-me alguém mais ou menos interessante, enquanto escritora de blogs...