Levou tempo até que eu conseguisse pronunciar o seu nome, sem nunca saber ao certo se o dizia corretamente. Mais tempo ainda para conseguir escrevê-lo com as consoantes nos lugares certos.
Foi na primavera de 2002, em Lisboa, que me veio parar às mãos um seu livro: Ébano. Vinha com uma tarja vermelha envolvendo a capa, indicando um Prêmio e uma vendagem já espetacular.
Ao ler as primeiras páginas, percebi que se tratava de outra coisa, diferente do que eu até então havia lido sobre o continente africano escrito por um europeu.
Lembro-me ainda da emoção que senti ao acompanhar o relato dos primeiros dias que se sucederam a independência do Ghana. Kapuscinsky deixou transbordar toda a esperança que tomava conta, não só dos ganenses, mas de todos os africanos, que ainda acreditavam em seus líderes, no poder de sua gente se auto-governar, na capacidade de amor ao próximo.
Ébano é um bom livro, embora haja quem diga que tem ali um “espírito de colonizador”, de quem chega para ditar verdades. Não o vejo assim. Considero-o um excelente livro para quem quer se aventurar pelos sinuosos caminhos da história do continente africano. A mim, o tom de Kapuscinsky parece algo entre o paternalismo e o aventurismo – não raras vezes, ele descreve os africanos com ar por demais infantil, e outras tantas relata acontecimentos tão fantásticos que não é difícil imaginá-lo em roupas “à la Indiana Jones”.
Mas há ainda o seu “1975. Último dia de vida em Angola”, que, até hoje, tem sido uma unanimidade entre os que estudam os dias que antecederam a independência de Angola, proclamada em Luanda. É óbvio que não tenho memória daqueles dias quentes de outubro e novembro de 1975 em Luanda, mas é como se a tivesse: penso no vento zunindo pelas ruas, arrastando caixas de papelão, casas trancadas esperando um regresso incerto, bairros-fantasma. E depois, cubanos surgindo como que encantados, falta água (começou cedo!), a rádio noticiando as boas-novas do MPLA, embora o clima geral fosse de indefinição e alerta.
Para não falar da viagem do jornalista polaco ao sul de Angola, e das páginas que deixou sobre as primeiras batalhas travadas contra o exército sul-africano naquelas paragens, e do comandante Farrusco, que servindo o exército português aliou-se ao MPLA, e orquestrou lindamente aquelas batalhas, com os poucos mais de 100 homens de que dispunha.
Claro que Kapuscinsky é muito mais do que isso. Ele é todos os percursos que trilhou, e mais todos aqueles que trilharam cada um de seus percursos.